Escrevo. Apago.
Digo. Não me ouvem.
Quem quer que escreva, que sentimento têm por mim?
Quem quer que fale, o que querem mesmo ouvir?
Escrevo. Apago.
Digo, vezes sem conta. E o que resta? Silêncio.
Vou contar uma estória. Não é muito longa. Aliás, nem sou eu que vou terminá-la. Eu tenho um fim. Mas como disse, não me ouvem. Prefiro ouvir outras versões. Pode ser que eu oiça.
"Era de tarde, e por mais que os especialistas dissessem que era Inverno, aquela tarde, era de Verão. O calor que se fazia sentir, e por ser Domingo, dava a todas as famílias a oportunidade de levar os seus filhos para a praia.
Mariana, mãe solteira, levou Inês para aquele maravilhoso pôr de sol na praia da Falésia. Desde o almoço, Inês não parava de pedir a sua mãe para irem à praia. Ao princípio Mariana negou, alegando estarem no Inverno e não ser tempo para diversões ao ar livre e acrescentou:
-Não podemos, Inês. Tu vais ver que daqui a pouco, o tempo vai mudar. Vais ver que daqui a pouco chove.
-Mãeee, ma tá caour!
-Está calor sim, mas não podemos, é Inverno. – Fez um pausa - Vá! Vamos tomar um banhinho para refrescar.
Inês que adorava tomar banho, logo concordou. Foi a correr para o quarto buscar os seus brinquedos preferidos, e disse, olhando para o baú cheio de brinquedos:
- Hoji, o pato fica a domi. Hoji, só vai o baquinho.
Depois do banho, Mariana decide pôr um filme no DVD, para entreter Inês enquanto fazia a lida da casa. Deixou-a escolher o filme, assistiu Inês a colocar o filme no DVD, e foi para a cozinha. Passado algum tempo, sentiu que este dia parecia não querer acabar. E foi no preciso momento em já tinha limpo a cozinha toda, que transpirada, ouviu Inês da sala ao lado. Desta vez com uma voz rouca.
-Mãeeeee, tá caour!
Limpando o suor da testa, disse decidida:
-Vá! Vai lá vestir o teu fato banho. Vamos à praia!
Escuso de descrever os risos, gritos, pulos que Inês fez no caminho para o quarto. Toda esta emoção durou até ao momento, que colocou os seus pézinhos na areia quente quando, olhando para a mãe com um olhar triste, disse:
-Mãeee, tá quenti a aeia.
Mariana concordou, fazendo o gesto para a pegar ao colo, explicando que à beira mar estaria bem melhor. Inês sorriu e deixou transparecer pelo seus olhos de novo toda a emoção.
Mariana, durante o trajecto até á praia, lembrou o tempo de quando tinha a idade da Inês. Por este mesmo motivo é que escolheu a praia da Falésia. A sua praia de infância. A praia que conhecia como a palma das suas mãos. Esquecendo, como todos, que estas ao longo do tempo, também vão mudando. No entanto, sentia-se segura nesta praia. E isto numa mãe, faz toda a diferença."
Apago? Não.
"Pararam perto de umas pessoas. Ainda antes da areia molhada da beira mar, mas suficientemente fresca para Inês ir para o chão. Pousaram as mochilas, e rápidamente Inês corre para perto de àgua. Mariana assustada, grita de imediato:
-Inês! Vem já para aqui.
Inês pára de repente. Vira-se para a mãe, que responde bem mais calma.
-Primeiro, temos que tirar a roupa. Segundo, temos que colocar protector. E depois, estás a ver aquelas ondas? Estão muito perigosas, temos que ter cuidado.
Aquele grito, como é lógico, chamou a atenção das tais pessoas. Um casal jovem, perto dos seus 25 anos. Mariana, no entanto, já tinha soprado com bastante força, 34 vezes.
Rita, uma das pesssoas, logo comenta:
-Temos mesmo que ter cuidado. Eles são um perigo. O meu João fez o mesmo. Está ali... – Apontando para a frente, fazendo que Mariana, Inês e Paulo, o outro das pessoas, olhassem na direção do seu dedo. – a brincar aos castelos. Depois das coisas que a mãmã te disse para fazer, podes ir brincar com ele, queres? – Dirigindo o olhar para Inês.
-...
-Vá, não sejas assim tão envergonhada. Já viste a tua sorte? Mal chegas à praia, já tens um amigo para brincar. – Interrompeu Mariana o silêncio da sua filha.
-...
-São sempre assim. – Interviu Paulo.- Ao principio são sempre envergonhados, depois temos sempre que os mandar fazer menos barulho. – Fazendo rir os três adultos. Inês continuou muda.
Durante toda a rotina, o tirar da roupa,o colocar outra vez do chapéu, o ajeitar do fato banho, a procura do creme na mala, a colocação do creme, Inês não tirava os olhos do João. Ele, totalmente distraido no seu castelo, não tinha dado por nada.
Depois de pronta, e depois de ter o consentimento da mãe, dirigiu-se novamente para a beira mar. Desta vez, com o passo mais calmo. Sabia que os adultos continuavam a falar, mas ela já não ouvia nada do que diziam.
Chegou-se perto do castelo do João, e sentou-se.
-Cuidado! – Disse João com uma voz de comando.
-Decupa. Como chama o teu catelo?
-Como se chama o meu castelo? Os castelos não têm nome. Os castelos são dos reis. Eu,- Pondo-se de pé e colocando a mão no peito.- sou o Rei João. E tu como te chamas? – Apontando para Inês com o dedo bem esticado.
Inês sorriu. Colocou também a mão no peito branco de tanto creme que tinha, e respondeu.
- Inês. – Abrindo ainda mais o sorriso, continuou - Também pôdo sê ainha?
-Hum! – Acenou com a cabeça, e continuou. - Podes ser! Mas para isso temos que te construir um trono. Porque os reis têm castelos e as rainhas têm que ter um trono. Sabes fazer um trono? – Perguntou outra vez com voz de comando.
- Não. – Respondeu, fechando o sorriso.
João baixa a sua voz e sorri.
- Eu também não. Eu só sei fazer castelos, mas podemos tentar.
Inês volta a sorrir, e João retoma a voz de comando.
- Ah! Mas se não ficar bem, depois não digas que está feio. Ou... que eu não fiz bem. Tá bem?
Inês já não ouviu o que João dizia, entusiasmada com a ideia de ter um trono, mas continuando a sorrir, disse que sim na mesma.
O sol tinha já começado a desaparecer, mas ainda assim, o dia continuava quente. Mariana, a Rita, o Paulo e todas as outras pessoas, aproveitavam aquela tarde de praia Inverno – Verão. Observavam, vigiavam de longe aquelas duas crianças sem saberem o que elas estavam determinadas em fazer. E sorriam, falavam do quotidiano. Todos sabiam, que o mar estava bravo, que as ondas com o descer do dia ficavam cada vez mais fortes. Bem mais fortes do que quando chegaram.
Mas para Inês e João as ondas não eram problema, aliás para eles não havia ondas, pessoas, sol, gaivotas, ou pombos. A única coisa que interessava era, como fazer um trono.
João tomou primeiro a iniciativa. Saltou bruscamente para perto de Inês, que até fez desmanchar um pouco do muro do seu castelo, mas ele, nem deu conta. Inês por ser lado, estava com os seus olhos a brilhar, à espera de que João começasse a fazer alguma coisa.
Viu-o a abrir um grande buraco na areia, que ao mesmo tempo lhe pedia para ir procurar conchas, ao que ela acedeu satisfeita. Não era preciso deslocar-se muito, visto que, naquela praia havia até bastantes. E quando voltou, já João tinha usado toda a areia daquele buraco para construir um enorme monte. Pediu-lhe para se sentar de frente para o mar, e que colocasse os pés no tal buraco. De seguida moldou o monte para o corpo da sua nova rainha, e foi cobrindo-o com as conchas que Inês tinha seleccionado.
Mas João não as achou suficientes, e disse:
-Espera ai... Vou buscar mais conchas.
Inês, ainda com os olhos brilhantes, concordou. Respirou fundo, satisfeita. E olhou para a grande onda que se formava lá ao fundo no horizonte. Onda qual, o sol já quase não iluminava."
Suspendo. Espero...